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25 de Abril de 2024

É nula doação que inclui parcela de patrimônio destinada aos herdeiros necessários

Publicado por Cristiano Camargo
há 10 anos

A doação de bens feita em vida pelo pai aos filhos gerados no casamento, excluindo a filha fruto de outro relacionamento, é nula quanto à parte que obrigatoriamente deve ser destinada a ela por herança. Assim como os três meios-irmãos por parte de pai, a filha também é herdeira necessária de um quarto da metade dos bens do genitor. Com base nessa regra do direito civil brasileiro, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que 6,25% do valor bruto de dois imóveis, doados e posteriormente vendidos, sejam entregues à herdeira que não foi contemplada na doação. Um terceiro imóvel deve ser colocado em processo de inventário para partilha entre os herdeiros necessários, resguardada a metade doada pela viúva aos seus próprios filhos.

O processo

Em 1992, o genitor e sua esposa doaram aos filhos do casal três imóveis. Ele faleceu, e a filha não contemplada com a doação requereu sua parte na Justiça, com uma ação declaratória de nulidade de negócio jurídico. O juízo de primeiro grau julgou o pedido procedente. Declarou a nulidade dos atos de transmissão da propriedade e determinou o retorno dos bens ao espólio do falecido, para futura partilha em inventário. A decisão foi mantida em segundo grau. Os irmãos recorreram ao STJ alegando que metade dos imóveis foi doada pela mãe deles, de forma que a irmã apenas por parte de pai não teria legitimidade para pedir em juízo a declaração de nulidade do negócio. Sustentaram que, em relação à metade doada pelo pai comum, a invalidade da doação deveria recair somente sobre a parte que excede o que o genitor pode dispor livremente, que corresponde à metade de seu patrimônio. Assim, a outra metade deve ser dividida entre os quatro herdeiros necessários, cabendo a cada um 6,25% de cada um dos imóveis doados.

Legitimidade

Para relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, a autora tem legitimidade para propor a ação a fim de obter sua parte na herança. Seu objetivo é a declaração de nulidade da doação para posterior abertura de inventário dos bens deixados pelo pai falecido, com sua inclusão no rol de herdeiros necessários. “O fato de a recorrida ter realizado a cessão de direitos hereditários não lhe retira a qualidade de herdeira, que é personalíssima, e, portanto, não afasta sua legitimidade para figurar no polo ativo desta ação, porque apenas transferiu ao cessionário a titularidade de sua situação jurídica, de modo a permitir que ele exija a partilha dos bens que compõem a herança”, explicou a relatora.

Doação universal

Os recorrentes também alegaram no recurso que houve julgamento fora do pedido feito na ação, pois foi declarada a nulidade da doação com base no artigo 1.175 do Código Civil de 1916: “É nula a doação de todos os bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.” Nancy Andrighi afirmou que não se pode falar em julgamento fora do pedido (extra petita), porque nulidades absolutas podem ser conhecidas de ofício pelo julgador. Por outro lado, ela destacou que a caracterização da doação universal de que trata o referido artigo exige a demonstração de que o doador não tinha condições de garantir a própria subsistência, o que não ocorreu no caso. Portanto, a situação nesse processo, segundo a relatora, não é de julgamento extra petita nem de doação universal, pois não se pode presumir que a após a doação o pai tenha assumido estado de miserabilidade.

Doação inoficiosa

A jurisprudência do STJ estabelece que a doação a descendente que exceder a parte da qual o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento é qualificada como inoficiosa – portanto, nula. Segundo a relatora, houve clara preterição da filha que ajuizou a ação, na medida em que todos os imóveis foram doados aos meios-irmãos, não restando qualquer outro bem a ser inventariado quando aberta a sucessão. Na hipótese julgada, quatro são os herdeiros necessários. Do patrimônio total do pai deles, os três filhos do casamento poderiam receber em doação até 87,5%: 50% correspondentes à parte com a qual o pai poderia fazer o que quisesse, acrescidos das frações a que cada um obrigatoriamente tem direito, ou seja, 12,5%. Considerando que o pai tinha metade dos imóveis – a outra metade era de sua esposa –, a parte obrigatória de cada herdeiro do genitor corresponde a 6,25% de cada imóvel. A fração restante da doação, segundo Nancy Andrighi, é plenamente válida e eficaz.

Fonte: STJ - Superior Tribunal de Justiça 28/04/2014

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3 Comentários

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Professor, muito esclarecedor teu artigo. Abraço continuar lendo

Bom dia, Cristiano!! Estou vendo um caso desses. Ocorre que o falecido era casado e tinha duas filhas do casamento. Além disso, tinha outra filha registrada de outro relacionamento. Ocorre que o falecido e a esposa venderam um imóvel para uma das filhas, em 2005 e em 2007 doaram outro imóvel a outra filha, preterindo a terceira filha. Ocorre q após o falecimento em 2014, a terceira filha descobriu os negócios jurídicos e pretende, agora, anular tanto a venda, quanto a doação.
Dúvidas: Podemos fazer as duas anulações, na mesma ação? Ação de anulação de venda de imóvel de ascendente a descendente sem anuência dos demais descendentes c/c ação de anulação de doação inoficiosa? Ou devem ser separadas? Os imóveis são em Copacabana RJ, qual a vara cível do TJ da Comarca da Capital, devemos dar entrada? No pedido, além da procedência das ações, já devemos pedir que os bens voltem ao patrimônio do falecido e que já seja aberto inventário para proceder a partilha corretamente?
Aguardo orientações.
Obrigada continuar lendo

E, quanto ao valor da causa.... devemos colocar os valores dos imóveis à época do negócio juridíco? Devemos colocar o valor da parte cabível à autora? Colocar valor atualizado ou da época do negócio jurídico?

Outra dúvida, a parte que cabe à autora será corrigida ou será a da época do negócio, pois o negócio foi efetuado por 300 mil e hj o imóvel vale 1 milhão. Considerando que se esses negocios nulos não fossem efetuados, na abertura da sucessão, seria considerado os valores atuais do imóvel, para partilha, me parece óbvio que o valor é corrigido. continuar lendo